terça-feira, 3 de maio de 2011

Reflexão sobre o filme "Milk, a voz da igualdade" - Por Teresa Kleba

No início de novembro de 2010 o CinePET exibiu o filme "Milk" e tivemos como debatedora a Professora Doutora Teresa Kleba, docente do Departamento de Serviço Social da nossa Universidade. Além de conduzir o debate no dia da exibição do filme, a debatedora encaminhou uma sistematização de sua fala para complementar a reflexão sobre a temática.

Filme: MILK - A voz da Igualdade

Por Teresa Kleba

A data de exibição (e debate) do filme “Milk, a voz da igualdade”, proposto pelo PET de Serviço Social coincidiu com o período pré – eleitoral (eleições para presidente, deputados e senadores de 2010) – durante o qual não faltaram discursos moralistas, intervenção de Igrejas (da religião), incluindo pronunciamento do papa contra o aborto; agressões entre candidatos com base em valores morais, tradições e a volta de arcaísmos ...  O candidato Serra se pronunciou contra a aprovação da Lei que criminaliza a homofobia exemplificando o caso de um pastor (candidato), que não concorda com a homossexualidade, argumentando que este deve ser respeitado...


Essa maneira de pensar, reforçando valores embasados em uma moralidade arcaica são provenientes da articulação entre três categorias (Safiotti, 2008) – sexismo, classismo e racismo, conhecidas como “o nó” do Patriarcado. O patriarcado é definido como “um pacto masculino para garantir a opressão das mulheres”. Este pacto subentende uma fusão entre o sexismo (controle do corpo e da sexualidade das mulheres), articulado a um sistema de dominação/exploração capitalista (classismo) que enfatizou uma raça (racismo), a dos colonizadores, desprezando e humilhando as outras existentes aqui no país ou que vieram da África para ajudar a construir o país.

Ainda vivemos com resquícios de valores colonialistas e pós-colonialistas...

Os valores ou a simbologia que rege o cotidiano das nossas Instituições provenientes do que Pierre Bourdieu (1999) chama de “violência simbólica” ou “dominação masculina” na medida em que o poder e a moralidade são impostos por uma “Lei Social” que define o que é normal, o que é natural para a nossa cultura e para a nossa sociedade; o normal é que os corpos se apresentem como femininos ou masculinos e que cada um desempenhe seus papéis a partir daquilo que a sociedade definiu para ele; esse poder e essa moralidade também interferem nos corpos femininos e incidem sobre a maternidade, reduzindo o papel das mulheres a serem mães e punindo as que optam em não ser!

O natural é que as relações sexuais e afetivas entre os corpos masculinos e feminino siga a lógica da heterossexualidade; ou seja, essa “Lei social” referida em Bourdieu estabeleceu uma sociedade falocentrica (tudo gira em torno do poder e da dominação masculina) bem como estabeleceu uma “ heterossexualidade compulsória” – quem sair dessa lei é considerado “anormal”.

A “ heterossexualidade compulsória” reduz o sexo ao gênero, e estabelece uma única forma de relação sexual.

Para desconstruir esse falocentrismo e a heterossexualidade compulsória, os estudos feministas nos convidam a estudar e aprofundar as questões relacionadas ao CORPO , ao corpo sexuado, ao desejo, a definição de nossa identidade de gênero e de nossa identidade sexual. Robert Stoller (1995) é um dos autores entre outros que afirmam que a partir dos 4 (quatro) anos de idade a nossa identidade de gênero estaria formada. O corpo, como mediador entre o mundo social e psicológico determina nossas experiências sociais. Essas são da ordem bio-psico-social.

Então perguntamos: como vai sendo construída nossa identidade sexual? Como é sentir-se um ser sexuado, estar submetido a uma série de regulações ou normas sociais com leis que norteiam e regulam as questões de sexo, gênero, prazer e desejo na constituição de nossos corpos, de nossa personalidade, enfim de nossa formação (a pessoa que somos hoje?). Como desnaturalizar os registros que ficaram encravados nos nossos corpos, no nosso inconsciente coletivo a partir na nossa vivência, experiência (habitus) em Instituições como família, Escola, Igreja e Sociedade ao longo de toda uma vida?

A produção da identidade, tanto de gênero como a sexual, segundo Michel Foucault (1988), obedeceu a uma produção histórica e cultural que implicou em “jogos da verdade” o que para Foucault representa uma construção teórica, um projeto teórico que foi definindo ao longo do tempo o que era próprio e o que era verdade no discurso daqueles que exerceram poder e dominação sobre as Instituições. No nosso caso do Ocidente, com fundamentação majoritariamente cristã (cristianismo), aos poucos foi sendo definindo o que era normal e anormal, o que era natural e não natural (abominável) o que era permitido e o que era proibido, incitando a culpa, o pecado, enfim toda a ordem de repressão possível e imaginável!

No filme fica explícita a obrigação social da invisibilidade, do silêncio em torno das relações homoafetivas, do estigma e preconceito. No Brasil continua a existir um grande número de pessoas homosexuais que não assumem sua condição perante a sociedade, perante a família (preferem nunca contar aos pais, a lhe dar um grande desgosto!). A expressão “Ficar no Armário” ou conseguir “sair do armário”, ou seja manter o segredo, ainda é regra para a grande maioria  de pessoas que amam outras do mesmo sexo, em especial as que vivem em cidades pequenas e médias!

Somente em 1993 a Organização Mundial de Saúde excluiu do código 302.0 da classificação internacional de doenças deixando a homosexualidade de ser considerada “desvio, doença, transtorno sexual”.

Segundo Luiz Mot (2006), 10% da população ocidental é constituída de praticantes do homoerotismo; no Brasil existem aproximadamente 20 milhões de amantes do mesmo sexo. Porém o preconceito e a discriminação em relação a eles, ainda é muito forte: em Brasília, 88% de jovens entrevistados em uma pesquisa da UNESCO consideram normal humilhar travestis e gays, 27% não querem ter homosexuais como colegas de classe e 35% dos pais e mães de alunos não gostariam que seus filhos tivessem homosexuais como colegas.

Números graves, no Brasil, um gay, travesti ou lésbica  é barbaramente assassinado a cada dois anos, vítima de homofobia.

Somente na década de 1990 a discriminação aos homossexuais passou a ser considerado delito (crime). Em maio de 2004 ficará marcado na história dos direitos humanos no Brasil pelo lançamento do “Programa Brasil sem homofobia”  - Programa Brasileiro de Combate à violência e a discriminação contra Gays, lésbicas, transgêneros e Bissexuais e de promoção de cidadania homossexual. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos se comprometeu a implementar mais de 50 ações afirmativas, envolvendo dez ministérios, com vistas a promover a cidadania plena de transgêneros, lésbicas e gays.

Existe um Projeto propondo a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo, depositado na Câmara dos Deputados desde 1995 pela deputada Marta Suplicy e continua engavetado.

Em levantamento realizado pelo O grupo Gay da Bahia, só na década de 1990, foram assassinados 1 256 homossexuais no Brasil (os dados cobrem apenas dois terços do território). Esses crimes são considerados “crimes de ódio” em que a condição homossexual da vítima foi determinante no modus operandi do agressor.



Como estão sendo discutidas essas questões junto ao curso de Serviço Social? Há espaço no currículo para discutir as questões de gênero? Como se sentem (no curso) estudantes de Serviço Social que possuem orientação homossexual? Por que nosso currículo não contempla uma disciplina que aborda as questões de gênero que incluem, além da homofobia as questões relacionadas a violência contra mulheres, o abuso sexual entre outras que fazem parte do cotidiano profissional dos profissionais de Serviço Social?
É fundamental que os profissionais que trabalham como operadores de direito disponham de informações  claras e atualizadas sobre a justeza e a necessidade de abolir todas as formas de preconceito e discriminação de nossa sociedade, e que possamos, como futuros profissionais de Serviço Social, cumprir os princípios do nosso código de ética que prega o respeito às diferenças e a liberdade em todos os sentidos.







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